RESULTADOS

Maturação da nata com probióticos

No caso da evolução das bactérias do ácido láctico (LAB) em nata fermentada exclusivamente pela cultura probiótica (Fig. 1), foi observado um aumento de um ciclo Log após 12 h, atingindo valores de 8 Log CFU mL-1. Não foram encontradas alterações importantes nas contagens de LAB até o final da fermentação. Este produto possui características probióticas, uma vez que a contagem microbiana está acima do valor mínimo a ser considerado como tal (Ranadheera et al., 2017).

Figura 1. Contagens de LAB (Log CFU mL-1) durante a maturação das natas. Esquerda: (P) – nata inoculada com cultura probiótica; Direita: (P+A) – nata inoculada com cultura probiótica e aromática e (A+P) – nata inoculada com cultura aromática e probiótica. (b) antes da segunda inoculação inicial (a) após a segunda inoculação inicial.

No final do período de maturação, a nata fermentada com culturas probióticas e aromáticas (Fig. 1, à direita), independentemente da ordem de inoculação (P+A e A+P), também apresentou altas contagens de LAB (cerca de 8 Log CFU mL-1 de nata). O maior valor de LAB para ambos os produtos foi alcançado após 26 h de maturação. A principal diferença entre as amostras foi observada na fase inicial da maturação, onde a contagem de LAB de A+P é de cerca de 5 Log CFU mL-1, permanecendo nessa ordem até a adição da cultura probiótica. Em contrapartida, P+A apresentou valores acima de 7 Log CFU mL-1 durante as primeiras 12 h de fermentação. Tal fato fica a dever-se à concentração celular da cultura, pois, de acordo com as instruções do fornecedor, a cultura probiótica foi pré-ativada no leite, enquanto a cultura aromática foi inoculada diretamente, sem pré-ativação. Os altos níveis de adição de probiótico inicial (20% v/v) também contribuíram para esses resultados. A adição de uma quantidade tão alta de cultura probiótica pré-ativada à nata foi prendeu-se com a necessidade de garantir altas contagens de bactérias probióticas, tanto na manteiga como no leitelho resultante do fabrico. Segundo Ewe e Loo (2016), a composição nutritiva da nata beneficia o crescimento de algumas estirpes probióticas, como L. helveticus. Isso pode explicar o aumento da cultura probiótica durante as primeiras 12 h, de 7.6 Log CFU mL-1 para 8.1 Log CFU mL-1 na nata contendo apenas probióticos (P). Vários autores sustentam que as LAB possuem enzimas intracelulares, como lipases e esterases, responsáveis pela hidrólise de triglicerídeos e pela libertação de ácidos gordos livres, que são utilizados como fonte de nutrientes (Endo et al., 2006; Flores e Toldrá, 2011).

A evolução do pH e da acidez titulável da nata durante a fermentação é apresentada na Figura 2. Após a inoculação, no caso de P e P+A, a diminuição do pH e o aumento da acidez foram observados quase imediatamente e progrediram constantemente durante o período de fermentação. No caso de A+P, as alterações só foram observadas após 12 h, como resultado da adição da cultura probiótica. A combinação da cultura aromática com probióticos mostrou um efeito sinérgico e, no final do período de fermentação, foram obtidos valores mais baixos de pH e acidez mais alta para P+A e A+P quando comparados com P.

Propriedades microbiológicas e físico-químicas da manteiga e do leitelho  

Independentemente da adição de culturas de arranque aromáticas e da ordem de adição, a manteiga e o leitelho com probióticos apresentaram valores de LAB (Fig. 3) que permitem considerar esses produtos como tendo características probióticas. É relatado que, durante o processo de fabricação da manteiga, ocorre uma ligeira diminuição do LAB como resultado da agitação da nata, devido ao setress mecânico induzido por essa etapa, causando rutura celular (Okelo et al., 2006). Observação semelhante foi feita por Ewe e Loo (2016).

Figura 2. pH (A) e acidez titulável (% de ácido lático) (B) durante a maturação da nata. P – nata inoculada com cultura probiótica; P+A – nata inoculada com cultura probiótica e aromática; e nata A+P inoculada com cultura aromática e probiótica.

Comparados com os nossos resultados, esses autores encontraram uma diminuição maior na concentração celular, provavelmente porque usavam apenas uma estirpe bacteriana, que poderia ser menos resistente do que as utilizadas neste trabalho. Segundo Koch e Woeste (1992), a resistência dos lactobacilos ao stress mecânico pode ser devida à composição da parede celular, rica em peptidoglicano, que é muito robusta em termos de resistência e elasticidade. Essa característica também pode permitir uma melhor associação ao trato gastrointestinal com a ingestão de manteiga fermentada (Ding et al., 2010; Lecuyer et al., 2011).

Figura 3. Contagens de LAB para manteiga (Log CFU g-1) e leitelho (Log CFU mL-1). C – produtos convencionais fermentados com cultura aromática; P – produtos fermentados com cultura probiótico; P+A – produtos fermentados com cultura probiótica e aromática; e A+P – produtos fermentados com cultura aromática e probiótica.

As propriedades físico-químicas da manteiga e do leitelho são apresentadas na Tabela 1. Quando comparada à manteiga probiótica (P), a manteiga convencional apresenta quantidades significativamente maiores de sólidos totais. Como esperado, o leitelho correspondente apresentou o menor teor total de sólidos. As manteigas P+A e A+P apresentaram maiores quantidades de gordura total quando comparadas com as amostras C e P, sendo essa diferença significativa no primeiro caso. Como resultado da maior retenção de gordura nas amostras de manteiga P+A e A+P, os leitelhos correspondentes apresentaram menores concentrações desse componente. A sua acidez também foi maior, indicando intensa produção de ácido láctico. Em relação aos parâmetros de cor, a manteiga probiótica é um pouco mais clara quando comparada com a amostra convencional.

A manteiga com probióticos é mais macia, principalmente nos casos em que foram aplicadas culturas probióticas e aromáticas. O nível de adição do leite fermentado com probióticos (20% v/v) poderia ter sido uma das razões para tais resultados. No entanto, essa adição não teve efeitos significativos nos níveis de gordura (exceção feita a P+A que apresentou um nível mais alto) e sólidos totais na manteiga (exceção feita a P que apresentou um nível mais baixo). Portanto, podemos considerar que o nível de adição inicial não explica as diferenças de textura.

A manteiga e o leitelho contendo probióticos resultantes do presente trabalho apresentaram boas características sensoriais. No entanto, testes apropriados ao consumidor devem ser realizados, a fim de avaliar a aceitabilidade dos produtos ao longo de sua vida útil, bem como seu potencial de mercado.