ANTECEDENTES

O soro é um subproduto da indústria do queijo cujo processamento como resíduo é impraticável devido à sua elevada carência bioquímica de oxigénio (CBO5= 35-45 g/L) (Marwaha & Kennedy, 1988). A não valorização deste subproduto numa instalação industrial com a produção diária de 1.000.000 litros, seria responsável pela contaminação em termos de equivalente populacional a cerca de 140 mil habitantes. Estes valores dão uma ideia clara da dimensão da contaminação ambiental, pois 100 kg de soro líquido têm uma força poluente equivalente aos detritos produzidos num dia por 14 pessoas.

Anualmente em Portugal a indústria queijeira produz em média cerca de 77.000 toneladas de queijo (INE, 2010 e 2012), o que corresponde a uma produção anual de cerca de 691 milhões de litros de soro. Na Europa, são produzidas em média 9.187 milhares de toneladas de queijo (EDA, 2012), correspondente a 82.683 milhões de litros soro. Nesta perspetiva pretende-se resolver um problema ambiental com cariz nacional e internacional que implica um grave problema para a saúde pública decorrente da contaminação dos solos e que se torna altamente tóxico para os lençóis freáticos.

A solução aqui apresentada permitirá produzir alimentos de elevado valor acrescentado em termos nutricionais sem recurso a processos tecnológicos com necessidades energéticas muito elevadas. Será uma solução recomendada para aplicação em pequenas/médias unidades industriais sem recurso a elevados investimentos financeiros, como forma de satisfazer simultaneamente os requisitos legais em termos ambientais e a valorização e diversificação dos seus próprios produtos.

Com esta tecnologia, a totalidade dos componentes sólidos do soro poderá ser reaproveitada e transformada em produtos lácteos não existentes no mercado, como é o caso dos iogurtes com base em proteínas do soro e de bebidas lácteas com base em permeado de UF.

A grande vantagem deste processo é sem dúvida a perspetiva de ciclo fechado no reaproveitamento do soro do qual resulta apenas água como subproduto. Nestas condições é muito significativa a redução do impacte ambiental inerente ao fabrico de queijo.

De notar que os concentrados de proteína de soro desidratados (CPS ou WPC) são largamente utilizados como ingredientes numa vasta gama de produtos alimentares (Díaz et al., 2009) devido às suas características funcionais e nutritivas específicas. No entanto, a produção de concentrados de proteína de soro desidratados (com 34, 50, 60 ou 70% de proteína na base seca) ou de isolados de proteína de soro (com mais de 90% de proteína na base seca) está normalmente associada a unidades industriais de grande dimensão. Por razões económicas e de escala, as pequenas e médias unidades industriais não podem adotar a mesma estratégia tecnológica, o que lhes coloca dificuldades no tratamento e/ou aproveitamento deste subproduto. Por outro lado, o soro não pode ser eliminado diretamente na rede de saneamento, nem pode ser tratado numa ETAR. Nestas condições, as pequenas e médias unidades industriais vêm-se obrigadas a cedê-lo para alimentação animal ou a concentrá-lo por osmose inversa (OI) vendendo-o (por valores abaixo do custo de produção) a unidades de grande dimensão que o desidratam, produzindo na maioria das vezes soro em pó com cerca de 10% de proteína e com um valor de mercado de cerca de 1.200 €/tonelada.

Em qualquer das situações, as unidades produtoras de queijo não tiram qualquer partido do potencial nutritivo e funcional deste produto e, na maioria dos casos, a resolução do problema é encarada como um custo de produção. Uma solução que permita a valorização e o aproveitamento interno do soro de queijaria para além de lhe acrescentar valor permitirá a essas unidades diversificar a sua gama de produtos e reduzir os custos com matérias-primas.

A produção industrial de produtos lácteos como sejam os iogurtes ou queijos frescos envolve a estandardização do teor de sólidos do leite(normalmente o seu incremento) no sentido de prevenir a separação espontânea de soro (sinérese) considerada como um defeito nestes produtos (Lucey, 2004; Amatayakul et al., 2006). Esta operação é normalmente levada a cabo num tanque de mistura, sendo adicionados ao leite de fabrico vários ingredientes desidratados. No caso da produção de iogurte, o leite em pó magro é normalmente utilizado, embora se possam utilizar também leite em pó gordo, caseinatos ou concentrados de proteínas de soro (Lucey 2002¸ Tamine & Robinson 1999). Estes produtos são adquiridos no mercado sob a forma desidratada a preços bastante elevados (> 2.000 €/ton).

A recuperação das proteínas solúveis presentes no soro pode ser efectuada de uma forma simples pela produção de agregados de proteínas do soro. Em Portugal, a produção de requeijão é um processo que, desde há muitos anos se aplica com esse objectivo. Embora aplicado de forma empírica, a obtenção deste produto baseia-se essencialmente no efeito que o aquecimento produz sobre as proteínas de soro originando a sua gelificação e a formação de concentrados proteicos que retêm outros componentes presentes no soro, nomeadamente gordura. Havea et al. (1998) referem que as proteínas do soro quando aquecidas em condições apropriadas (> 75 ºC, pH entre 6 e 8 e em concentrações superiores a
6 g/100g) formam um gel. No entanto, o sorelho (soro residual do fabrico de requeijão) continua a apresentar uma carga orgânica considerável e não é passivel de ser descartado no meio ambiente sem tratamento prévio (Pereira et al., 2002).

A integração de uma etapa de ultrafiltração do soro em unidades industriais é uma alternativa economicamente atrativa que permite a produção de concentrados líquidos de proteínas de soro que podem ser posteriormente desidratados, ou imediatamente incorporados no fabrico de outros produtos alimentares.

Diversos autores referem a possibilidade de adição de proteínas de soro ao leite usado no fabrico de queijo (Abrahamsen, 1979; Banks & Muir, 1985; Baldwin et al., 1986; Korolczuk & Mahaut, 1991a, 1991b; Mahaut & Korolczuk, 1992; Smithers et al., 1996; Jameson & Lelievre, 1996; Lebeuf et al, 1998; Pérez-Munuera & Lluch, 1999; Hinrichs, 2001). Os principais tópicos e conclusões podem ser assim sumariados: (1) a importância da desnaturação das proteínas do soro para garantir a sua incorporação na matriz proteica do queijo; (2) a importância das dimensões dos concentrados proteicos; (3) o incremento da capacidade de retenção de água dos queijos; (4) a menor acidificação dos queijos produzidos devida ao maior poder tampão das proteínas do soro; (5) a ocorrência de diferenças no sabor e aroma dos produtos modificados; (6) a quantidade ótima de incorporação dos concentrados.

Embora exista alguma informação sobre a utilização de CLPS em queijos, que seja do nosso conhecimento, a sua utilização como ingrediente base no fabrico de iogurtes não é referida. A maioria dos estudos existentes apenas avalia a influência dos concentrados de proteínas de soro desidratados (CPS ou WPC) sobre as características físico-químicas e sensoriais de iogurtes sólidos (Guzmán-González et al., 1999; Sodini et al., 2005 and 2006; Damin et al., 2009; Herrero & Requena, 2006; Pier-Sokolinska & Pikul, 2006).

No caso da aplicação de CLPS em iogurtes a equipa de investigação do projeto publicou já informação referente à sua utilização como substituto parcial (até um máximo de 30%) do leite utilizado no fabrico (Henriques et al., 2011; 2012). Contudo, a utilização integral dos CLPS como matéria-prima base para a produção de iogurtes ou a utilização do permeado de ultrafiltração concentrado por osmose inversa para a produção de bebidas lácteas fermentadas/acidificadas representam aplicações inovadoras.