ANTECEDENTES
A presente invenção diz respeito ao processo de obtenção de concentrado líquido de sorelho (CLS) (figura 1a) utilizando tecnologias de filtração tangencial com recurso a membrana com limiar de corte apropriado, nomeadamente com as dimensões de poro correspondentes à ultrafiltração (UF). O processo de ultrafiltração visa separar o sorelho em duas frações. Uma fração que corresponde a um concentrado rico em proteínas e péptidos, também aqui denominados de compostos azotados e gordura (caso o sorelho não tenha sido desnatado). A outra fração corresponde a um permeado cujos sólidos são quase exclusivamente representados por lactose e sais minerais.
O processo de produção de sorelho concentrado por ultrafiltração (CLS), objeto da presente invenção, possibilita a valorização do sorelho, o subproduto principal da produção de requeijão. O sorelho é um produto muito poluente devido à sua elevada carência bioquímica de oxigénio (CBO5) e cujo processamento como resíduo é muito dispendioso. A solução aqui proposta possui características inovadoras devido à utilização de processos de separação seletiva pouco dispendiosos, quer em custos de capital quer em custos de funcionamento, quando comparados com os tradicionais processos de concentração seguidos de desidratação.
Anualmente em Portugal a indústria queijeira produz, anualmente, em média cerca de 77.000 toneladas de queijo (INE, 2018), o que corresponde a uma produção anual de cerca de 690 milhões de litros de soro. Na Europa, são produzidas em média cerca de 9 milhões de toneladas de queijo (EDA, 2012), correspondendo a 84 milhões de toneladas de soro. Tal como anteriormente referido, o soro de queijaria é, atualmente, bastante valorizado e surge no mercado sob diversas formas: como concentrados líquidos de proteína de soro (CLPS); como soro desidratado (com cerca de 7% de proteína e 70% de lactose); como concentrados de proteínas de soro desidratados (CPS ou WPC-whey protein concentrate) (com mais de 34% de proteína); ou como isolados de proteínas de soro (IPS ou WPI-whey protein isolate) (com mais de 90% de proteína).
Apesar destes produtos serem bastante valorizados, a nível global (Yadav et al., 2015), e também em Portugal, apenas cerca de metade do soro de vaca produzido é processado com vista à sua valorização, sendo o restante usado diretamente para a alimentação animal ou eliminado sem qualquer tratamento.
Esta dificuldade na valorização do soro resulta da pequena dimensão das indústrias produtoras de queijo, que processam entre 10.000 e 100.000 L/leite/dia, que não dispõem dos sofisticados equipamentos necessários para a sus concentração e desidratação. Apenas os dois maiores produtores de queijo portugueses secam o soro, estimando-se que processem cerca de 250.000 toneladas por ano, ou seja, menos de metade do soro produzido no país.
No caso do fabrico de queijos de ovelha e cabra, ou de queijos de mistura, a produção nacional situou-se em 2017 em cerca de 21.000 toneladas (11.800 toneladas de queijo de ovelha; 2.900 toneladas de queijo de cabra; 6.000 toneladas de queijo de mistura) (INE, 2018).
Estima-se que, da produção deste tipo de queijos resultem anualmente cerca de 150.000 toneladas de soro, sendo uma parte significativa utilizada para o fabrico de requeijão. Do fabrico de requeijão resulta o sorelho que ainda tem cerca de 50-60% do extrato seco do soro, ou seja, cerca de 3,5-4,5 % de lactose, 0,5-1,3% de matéria azotada, 0,5-2,0% de minerais e 0,05 a 0,5% de gordura. Este produto é normalmente utilizado para alimentação animal não sendo conhecidas aplicações na alimentação humana.
Note-se que o sorelho possui ainda uma elevada carência bioquímica de oxigénio (CBO5= 25-35 g/L) não podendo ser eliminado sem tratamento adequado. De registar que a sua elevada CBO5 impede o seu tratamento em estações de tratamento de águas residuais (ETAR), a não ser que seja muito diluído. A diluição irá contudo aumentar drasticamente o volume de efluente a tratar o que acarreta problemas adicionais, nomeadamente o dimensionamento da ETAR e o elevado consumo de água. Assim, as empresas optam por cedê-lo para alimentação animal. Contudo, nem sempre é fácil dispor de explorações pecuárias dispostas a receber o sorelho, o que pode criar sérios problemas às empresas produtoras no que diz respeito ao fim que podem dar ao efluente. Impõe-se assim o desenvolvimento de soluções que permitam a valorização interna do sorelho, com a consequente redução do impacto ambiental associado à sua produção.
No caso do soro de queijaria, a recuperação da maioria das proteínas solúveis presentes pode ser efetuada pela produção de agregados de proteínas do soro, tal como ocorre no fabrico de ricotta ou de requeijão. Em Portugal, a produção de requeijão é um processo que, desde há muitos anos, se aplica com esse objetivo. Embora aplicado de forma empírica, o processo de obtenção de requeijão baseia-se essencialmente no efeito que o aquecimento produz sobre as proteínas de soro originando a sua gelificação e a formação de concentrados proteicos que retêm outros componentes presentes no soro, nomeadamente gordura. Havea et al., (1998) referem que as proteínas do soro quando aquecidas em condições apropriadas (> 75 ºC, com valores de pH entre 6 e 8 e com concentrações superiores a 6 g/100g) formam um gel. Assim, para a produção de requeijão, o soro de queijaria (adicionado com 5 a 10% de leite de ovelha ou cabra) é aquecido a 90-100 ºC e, após floculação da proteína, os agregados são retirados e inseridos nos moldes de requeijão antes de serem arrefecidos a 4 ºC. Normalmente, apenas os soros de queijos de ovelha, de cabra, ou de mistura de ambos, são usados para a produção de requeijão, uma vez que o baixo rendimento obtido na produção de requeijão a partir de soro de queijos fabricados com leite de vaca não compensa os elevados custos energéticos do processo. O líquido residual (sorelho), depois de arrefecido é normalmente cedido para alimentação animal.
DESCRIÇÃO SUMÁRIA DA INVENÇÃO
A presente invenção encontra o estado da técnica mais próximo em divulgações que visam proteger as condições de processamento do soro de queijaria e os produtos a obter.
Que seja do nosso conhecimento, não existe qualquer processo que reivindique a possibilidade de valorização dos componentes do sorelho, nomeadamente que preconize a sua concentração seletiva por tecnologias de membrana e que proponha aplicações concretas para os CLS resultantes do processo de concentração por UF.
Adicionalmente, na maioria dos processos produtivos de queijo de ovelha portugueses, é utilizado o cardo (Cynara cardunculus L.) como agente coagulante, sendo que diversos trabalhos recentes divulgam que a ação das enzimas proteolíticas do cardo (proteases aspárticas) sobre as proteínas do soro (nomeadamente sobre a α Lactalbumina) origina a produção de péptidos hidrofóbicos de baixo peso molecular (< 3kDa) com atividades anti-hipertensiva e anti-ulcerativa comprovadas (Tavares et. al., 2011 abcd; Pintado et al. 2010, 2011). Embora as condições de utilização do cardo como agente coagulante visem sobretudo a desestabilização das micelas de caseína e a coagulação do leite, não sendo as ótimas para a hidrólise da α Lactalbumina, será de esperar que a atividade proteolítica dos extratos de cardo possa ter algum efeito no incremento da concentração de péptidos com atividade biológica presentes no sorelho. Deste modo, para além de se valorizar a fração azotada do sorelho, a presente invenção poderá originar um produto rico em péptidos facilmente digeríveis e com potencial atividade biológica.
A presente invenção visa valorizar o sorelho resultante do fabrico de requeijão (também chamado soro desproteinizado) através da aplicação de tecnologias que permitam, por um lado, a valorização através da concentração seletiva de alguns dos seus componentes e, por outro, a eliminação seletiva de componentes não desejados para a sua valorização.
Assim, numa primeira fase do processo de produção do concentrado de sorelho recorre-se a uma etapa de filtração tangencial, ou seja, a ultrafiltração (UF) usando membranas orgânicas (com um limiar de corte de 10 kDa) cujo objetivo é a concentração da fração azotada do sorelho, constituída sobretudo por agregados de proteínas, proteínas solúveis, péptidos e aminoácidos livres.
Importa referir que, em muitos casos, a produção de queijos envolve a adição de sal ao leite, pelo que o soro e o sorelho resultantes poderão ter níveis significativos de sal (5 a 25 g/L). Estes níveis deverão ser reduzidos para permitir a valorização do sorelho como ingrediente de produtos nos quais se pretendam baixos teores de sal. Assim, numa segunda fase do processo de produção do concentrado de sorelho, caso a concentração de cloreto de sódio seja superior à desejada para a sua valorização, recorre-se a uma etapa de redução dos sais do concentrado de sorelho obtido através da sua eliminação por diafiltração.
Em suma, o processo, objeto da presente invenção, contribui para o estado da técnica com as seguintes vantagens:
- reaproveitamento da totalidade dos componentes azotados do sorelho;
- utilização ou reincorporação direta dos concentrados de sorelho (CLS) e os concentrados de sorelho deslactosados e dessalinizados(CLSdd) em produtos como molhos para saladas ou bebidas lácteas fermentadas permitindo a sua valorização imediata;
- utilização de tecnologia simplificada e com baixo consumo energético;
- redução da carga poluente dos efluentes a eliminar pela indústria.